sábado, 26 de novembro de 2011

Por uma Liturgia bem vivida e praticada



Como já expus recentemente, tentei criar uma campanha para que parem de inventar na Liturgia, e ao mesmo tempo em que muitos aderiram, outros foram totalmente contrários ... o que já era esperado.

Isso me lembrou dum texto meu que foi publicado no blog do meu amigo Carmadélio que cito a seguir e depois faço mais algumas considerações:

(...) Não é incomum se ouvir que após o Concílio Vaticano II (CVII) se pode adaptar a liturgia como se quiser. Ocorre que a situação não é bem assim.

Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia deixa claro qual era a finalidade do CVII:

01. O sagrado Concílio propõe-se fomentar a vida cristã entre os fiéis, adaptar melhor às necessidades do nosso tempo as instituições susceptíveis de mudança, promover tudo o que pode ajudar à união de todos os crentes em Cristo, e fortalecer o que pode contribuir para chamar a todos ao seio da Igreja. Julga, por isso, dever também interessar-se de modo particular pela reforma e incremento da Liturgia.
 
O CVII tinha como objetivo dar uma nova orientação pastoral à Igreja e uma nova forma de apresentar e explicar os dogmas católicos ao mundo moderno, e para tanto propôs uma reforma inclusive na liturgia, mas sempre fiel à Tradição, a tanto que o Papa João XXIII assim se manifestou:

01. O que mais importa ao Concílio Ecumênico é o seguinte: que o depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e ensinado de forma mais eficaz. (…)

4. A finalidade principal deste Concílio não é, portanto, a discussão de um ou outro tema da doutrina fundamental da Igreja, repetindo e proclamando o ensino dos Padres e dos Teólogos antigos e modernos, que se supõe sempre bem presente e familiar ao nosso espírito.

5. Para isto, não havia necessidade de um Concílio. Mas da renovada, serena e tranqüila adesão a todo o ensino da Igreja, na sua integridade e exatidão, como ainda brilha nas Atas Conciliares desde Trento até ao Vaticano I, o espírito cristão, católico e apostólico do mundo inteiro espera um progresso na penetração doutrinal e na formação das consciências; é necessário que esta doutrina certa e imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada e exposta de forma a responder às exigências do nosso tempo. Uma coisa é a substância do “depositum fidei”, isto é, as verdades contidas na nossa doutrina, e outra é a formulação com que são enunciadas, conservando-lhes, contudo, o mesmo sentido e o mesmo alcance. Será preciso atribuir muita importância a esta forma e, se necessário, insistir com paciência, na sua elaboração; e dever-se-á usar a maneira de apresentar as coisas que mais corresponda ao magistério, cujo caráter é prevalentemente pastoral.
(Discurso de Sua Santidade Papa João XXIII na Abertura Solene do SS. Concílio: cap. V, 01, e cap. VI, 04 e 05 - leia AQUI)

Está claro que o CVII, ainda que eminentemente pastoral, também tem seu caráter dogmático, pois em todos os documentos elaborados os dogmas são reafirmados. O que se vê é que muitos não entenderam o espírito do Concílio, ou ainda, resolveram ampliar a proposta de reforma, e com isso fundamentam a realização de diversos erros.

A reforma litúrgica apresentada no CVII em nada contrapôs os 20 séculos de Tradição e Magistério da Igreja Católica Apostólica Romana, mas muitos resolveram ir além contrariando diversas normas litúrgicas em prol de tornar a celebração mais atraente e bonita (conforme o entendimento pessoal de quem estava inventando na Sagrada Liturgia).

O Padre Paulo Ricardo (http://padrepauloricardo.org/), em entrevista ao blog Salvem a Liturgia Salvem a Liturgia, disse que:

Nós vemos que, de alguma forma, entrou dentro do processo litúrgico da Igreja Católica uma mentalidade estranha e alheia a Igreja, que nós poderíamos chamar de mentalidade revolucionária, onde as pessoas fazem a Liturgia subjetiva, a partir dos seus gostos, de suas veleidades subjetivas. O Papa alerta para isso, e é necessário então nós retornarmos a forma tradicional da Igreja celebrar a Liturgia, mesmo que tenhamos os ritos litúrgicos do Vaticano II. Mas a Reforma Litúrgica do Vaticano II deve ser executada em sintonia com a tradição de 20 séculos.
(destaquei)

Quem age ou pensa desta forma (querendo criar algo novo na Liturgia que não seja autorizado pela Santa Sé) está querendo ser maior que o rei, tomando decisões que nem mesmo a Santa Sé decidiu. Nunca foi a intenção do CVII “liberar geral” na liturgia, mas apenas apresentar algo novo que se adequasse a uma realidade atual da sociedade moderna, e este novo está devidamente delineado nos documentos conciliares.

E ainda que as assembleias episcopais territoriais (como é o caso da CNBB) tenham competência para regular acerca da Sagrada Liturgia, esta somente poderá ser exercida dentro dos limites já estabelecidos pela Santa Sé, como já estabeleceu a Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia:

22. § 1. Regular a sagrada Liturgia compete unicamente à autoridade da Igreja, a qual reside na Sé Apostólica e, segundo as normas do direito, no Bispo.

§ 2. Em virtude do poder concedido pelo direito, pertence também às competentes assembléias episcopais territoriais de vário género legitimamente constituídas regular, dentro dos limites estabelecidos, a Liturgia.

§ 3. Por isso, ninguém mais, mesmo que seja sacerdote, ouse, por sua iniciativa, acrescentar, suprimir ou mudar seja o que for em matéria litúrgica.
(Destaquei)

Desta forma, é um engano dizer que após o CVII pode-se tudo na liturgia, pois qualquer alteração somente poderá ocorrer quando existir autorização expressa da autoridades competentes.

Temos que zelar pelo Sagrado, e para tanto a Santa Igreja, que é mãe e mestra, nos ensina a melhor forma disso ocorrer. Por que inventar??? A Sagrada Liturgia já foi tão maculada, que hoje a Igreja busca o retorno à bela e correta aplicação das normas litúrgicas como necessidade vital.

O Cardeal Antonio Cañizares Llovera, atual Prefeito da Congregação para o Culto Divino, em recente entrevista concedida ressalta a situação:

A perda do sentido do sagrado, do Mistério, de Deus, é uma das perdas de conseqüências mais graves para um verdadeiro humanismo. Quem pensa que reavivar, recuperar e reforçar o espírito da liturgia e a verdade da celebração é um simples retorno a um passado superado, ignora a verdade das coisas. Colocar a liturgia no centro da vida da Igreja não é em nada nostálgico, mas, pelo contrário, é garantia de estar a caminho em direção ao futuro.

Vamos todos zelar pelo Sagrado, zelar por Deus, e buscar uma verdadeira experiência com Deus através da Sagrada Liturgia … mas sem invenções. (...)

Mesmo após as colocações acima, e diante de diversas manifestações no sentido de que a preocupação com a Liturgia é exagerada, acredito que restam mais algumas colocações a serem feitas.

A Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia fixou bem qual é a relação da Igreja com a Liturgia, bem como a importância de uma para outra:

10. Contudo, a Liturgia é simultaneamente a meta para a qual se encaminha a ação da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força.

Se algum católico disser que a Liturgia não tem “tanta importância”, precisa estudar “pelo menos um pouquinho mais”. A relação entre Igreja e Liturgia é tão importante e essencial, que o mesmo amor e cuidado a ser destinado à primeira deve ser o mesmo a ser destinado à segunda.

Espero que quem ler este texto entenda e acolha esta necessidade (verdadeiro zelo litúrgico pelo amor à Igreja), que não é fruto de “achismo” meu e de tantos outros.

E sobre as “invenções litúrgicas”, a Instrução Redemptionis Sacramentum estabelece que

114. «Nas Missas dominicais da paróquia, como ‘comunidade eucarística’, é normal que se encontrem os grupos, movimentos, associações e as pequenas comunidades religiosas presentes nela». Embora é lícito celebrar a Missa, de acordo com as normas do direito, para grupos particulares, estes grupos, de nenhuma maneira, estão isentos de observar fielmente as normas litúrgicas.
(destaquei)

Meu caro leitor, o seu movimento, paróquia, etc., por mais belo que seja e tenha recebido o reconhecimento pontifício, não pode mudar a norma litúrgica. Simples assim: não pode. Não importa o carisma, chamado, etc. do movimento, pois existe apenas a liturgia conforme as normas da Igreja Católica Apostólica Romana.

Não existe liturgia da Opus Dei, dos Focolares, do Regnum Christi, da Renovação Carismática Católica, da Comunidade Canção Nova, da Comunidade Católica Shalom. Não existe liturgia de acordo com o carisma das diversas e belas expressões dentro da Igreja Católica. Existe apenas uma Liturgia, que todos devem seguir. TODOS!!!

Se na paróquia/movimento que você participa se faz algo contrário às normas litúrgicas, está errado. E vou ousar mais. Se um padre ou bispo celebrou Missa na paróquia/movimento e nunca disse nada acerca dos erros, isso somente ocorre por 3 motivos: formação litúrgica insuficiente; omissão; ou relativismo.

Com todo respeito, mas essa historinha de “o que vale é intenção do coração” não existe. Isso é desculpa para relativizar a norma da Igreja para adequar ao que lhe é mais interessante.

O mesmo vale dizer sobre a outra historinha de “qualquer forma de louvar a Deus é válida”. Não é bem assim. Só é válido se não houver norma prevendo como se fazer, ou se a situação não for cabível.

Um exemplo claro disso é a tão defendida “dança litúrgica”. Tal modalidade de arte não é cabível durante a Santa Missa, e isso quem nos diz é a Santa Igreja.

Trago inicialmente um vídeo em que o Cardeal Francis Arinze (que foi Prefeito da Congregação para o Culto Divino entre 2002 e 2008) fala sobre o tema:

 
E para auxiliar mais no entendimento sobre este tema (dança na Santa Missa), destaco parte do um texto publicado no blog Salvem a Liturgia:

(...) Acerca da dança litúrgica, cito apenas as palavras do então Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, que escreveu a respeito da dança no seu maravilhoso livro “Introdução ao Espírito da Liturgia”:

“A dança não é uma forma de expressão cristã.”

A seguir, ele explica historicamente que a idéia de “dança litúrgica” teve uma origem pagã:

“Já no século III, os círculos gnósticos-docéticos tentaram introduzí-la na Liturgia. Eles consideravam a crucificação apenas uma aparência; segundo eles, Cristo nunca abandonou o corpo, porque nunca chegou a encarnar antes da paixão; consequentemente, a dança podia ocupar o lugar da Liturgia da Cruz, tendo a cruz sido apenas uma aparência. As danças cultuais de diversas religiões são orientadas de maneiras variadas – invocação, magia analógica, êxtase místico; porém, nenhuma dessas formas corresponde à orientação interior da Liturgia do Sacrifício da Palavra.”

E prossegue o Papa:

“É totalmente absurdo – na tentativa a Liturgia mais atraente – recorrer a espetáculos de pantomimas de dança – possivelmente com grupos profissionais – que, muitas vezes (e do ponto de vista do seu designio com razão), terminam em aplauso. Sempre que haja aplauso pelo atos humanos na Liturgia, é sinal de que a sua natureza se perdeu inteiramente, tendo sido substituída por diversão de gênero religioso. Tal atração não pode ser duradoura, porque num mercado de diversão em que as formas religiosas tem uma função meramente animadora, elas não consegue afirmar-se contra a oferta da concorrência. (…) A Liturgia só pode atrair pessoas olhando para Deus e não para ela próprio, deixando-O ingressar e agir. Aí então acontece aquilo que é mesmo singular, isento de concorrência em que as pessoas podem sentir que acontece algo mais do que apenas diversão de tempos livres.”

O Papa afirma ainda, fazendo as devidas distinções:

“Até agora, nenhum rito cristão conheceu a dança. O que é designado como dança na Liturgia Etíope ou na forma Zairense da Liturgia Romana é um caminhar rítmico e ordenado, em conformidade com a dignidade do acontecimento, o qual ordena, com uma austeridade interior, os vários caminhos da Liturgia, conferindo-lhe beleza e, acima de tudo, dignidade ao culto a Deus.”

E o Papa reconhece:

“Outra situação que deve ser vista de um modo diferente é o convívio das pessoas na ***sequência da celebração litúrgica*** e da alegria nela vivida; tal festa manifesta-se tanto numa refeição comum como na dança, sem perder de vista a causa dessa alegria, a qual lhe confere a sua orientação e a sua norma. Essa correção entre Liturgia e o convívio popular (igreja e taberna) desde sempre foi e continua sendo tipicamente católica.”
(...)

Entendo que na liturgia não há espaço para dança (seja como prelúdio, meio ou final). Infelizmente, ainda que elaborada com a correta intenção e por mais bela que seja, ela nos tira a atenção do principal. Recomendo profundamente que durante a celebração eucarística não sejam realizadas danças, sejam elas litúrgicas ou não. Nosso olhar e coração devem estar voltados ao altar e à mesa da palavra, onde todo o mistério eucarístico se desenvolve.

Como nos recomenda o Santo Padre, que as danças sejam realizadas em locais e momentos oportunos, mas não na Santa Missa.

Enfim, os católicos tem que voltar à obediência das normas litúrgicas, e não “por seguir a lei”, mas por amor à Santa Igreja. Neste momento valho-me das palavras do Papa João Paulo II, na Encíclica Ecclesia de Eucharistia:

52. Temos a lamentar, infelizmente, que sobretudo a partir dos anos da reforma litúrgica pós-conciliar, por um ambíguo sentido de criatividade e adaptação, não faltaram abusos, que foram motivo de sofrimento para muitos. Uma certa reação contra o «formalismo» levou alguns, especialmente em determinadas regiões, a considerarem não obrigatórias as «formas» escolhidas pela grande tradição litúrgica da Igreja e do seu magistério e a introduzirem inovações não autorizadas e muitas vezes completamente impróprias.

Por isso, sinto o dever de fazer um veemente apelo para que as normas litúrgicas sejam observadas, com grande fidelidade, na celebração eucarística. Constituem uma expressão concreta da autêntica eclesialidade da Eucaristia; tal é o seu sentido mais profundo. A liturgia nunca é propriedade privada de alguém, nem do celebrante, nem da comunidade onde são celebrados os santos mistérios. (...) Atualmente também deveria ser redescoberta e valorizada a obediência às normas litúrgicas como reflexo e testemunho da Igreja, una e universal, que se torna presente em cada celebração da Eucaristia. O sacerdote, que celebra fielmente a Missa segundo as normas litúrgicas, e a comunidade, que às mesmas adere, demonstram de modo silencioso mas expressivo o seu amor à Igreja. (...) A ninguém é permitido aviltar este mistério que está confiado às nossas mãos: é demasiado grande para que alguém possa permitir-se de tratá-lo a seu livre arbítrio, não respeitando o seu caráter sagrado nem a sua dimensão universal.
(destaquei)
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Fica autorizada a reprodução integral deste post, desde que citada a fonte conforme texto a seguir:
BRANDALISE, André Luiz de Oliveira, Por uma Liturgia bem vivida e praticada, publicado em 26/11/11 no blog “André Brandalise” - http://alobrandalise.blogspot.com.br/2011/11/por-uma-liturgia-bem-vivida-e-praticada.html

3 comentários:

  1. Belas explicações. Texto completo e bem fundamentado. Estamos tão saturados de abusos que creio que este tema nunca vai ficar ultrapassado. Que Deus ilumine sempre o teu caminho e te dê perseverança neste apostolado, André!

    Parabéns!

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  2. É isso aí! O pouco que sei devo a vc André! abraço

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  3. Caro Vinicius, obrigado e conto com suas orações.

    Caro Anônimo, eu agradeço suas palavras, mas posso dizer que pouco sei, mas o que sei tenho a obrigação moral de passar adiante. Se isso ajudar alguém, bendito seja Deus.

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