terça-feira, 7 de julho de 2015

Papa Francisco e a Teologia da Libertação


Encontrei este texto (originalmente publicado em 03/06/13) em uma das pesquisas que fiz na internet e achei interessante publicar aqui. Acho que explica muita coisa sobre o Papa Francisco.

O PAPA FRANCISCO E A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

O Papa Francisco é um acirrado teólogo da libertação ou alguém que tem uma forte simpatia por essa escola de pensamento? Esta é uma questão que tem sido levantada diversas vezes desde a eleição de Jorge Mario Bergoglio ao papado, em março passado. Mais recentemente, o New York Times abordou esta questão. Ao discutir o tom adotado por Bergoglio desde que se tornou Papa, o artigo NYT disse que o papa Francisco tem “uma afinidade pela teologia da libertação.” “Os discursos de Francisco”, diz o artigo, “delineiam claramente os temas da teologia da libertação.” O artigo também afirma que “Francisco estudou com um sacerdote jesuíta argentino que era um defensor da teologia da libertação.”


Temo, porém, que se alguém verifica os escritos pré-pontíficos de Francisco, surge um perfil muito diferente. Certamente, Bergoglio é um homem que sempre se preocupou por aqueles que sofrem autênticas necessidades materiais. Contudo, a ortodoxia cristã não teve que esperar a teologia da libertação para articular uma mensagem de profunda preocupação para com os pobres, que sofrem graves carências materiais, e para lembrar àqueles que têm poder e recursos as obrigações concretas que têm em relação aos mais necessitados. Desde o início, esta foi uma mensagem que impregnou o Evangelho e a subsequente vida da Igreja.

Na verdade, por exemplo, no prefácio de um livro escrito em 2005 por uma das figuras intelectuais católicas mais importantes da América Latina, Carriquiry Lecour, “Uma aposta para a América” [1], Bergoglio ao falar sobre a teologia da libertação, disse o seguinte:
Com o colapso do império totalitário do “socialismo real”, essas correntes permaneceram desaparecidas na confusão, incapazes de uma reformulação radical e de uma nova criatividade. Sobreviventes por inércia, posto que exista ainda hoje quem as proponha anacronicamente. [2]
Isto não significa sugerir que Bergoglio é um fã do capitalismo contemporâneo. Falando claramente: não é. E na medida em que as palavras do Papa Francisco podem ser lidas como uma condenação ao "capitalismo de compadres" (crony capitalism), sua crítica está mais do que justificada. Porém não muitas pessoas interpretariam as palavras citadas acima como se supusessem um respaldo para o pensamento da teologia da libertação, como a que propõe, por exemplo, Leonardo Boff.

Curiosamente, Bergoglio escolheu o mesmo prefácio citado acima para criticar o “progressismo adolescente” e “secularismo militante” que, segundo ele, frequentemente se co-optam ao poder do Estado para tentar destruir a “cultura católica” de muitas pessoas que vivem em países em desenvolvimento.

Nesta base, suspeito que o Papa Francisco também não é fã da atitude pregadora dos governos ocidentais em relação aos países em desenvolvimento, especialmente em áreas como a sexualidade e a sacralidade da vida humana. Esses governos não hesitam em fazer uso da ajuda ao desenvolvimento (uma via cada vez mais desacreditada para ajudar àqueles que se encontram em necessidade, entretanto com isso nos introduziríamos em outro tema) como uma via para forçar estilos de vida neo-colonialistas, de modo que as nações em desenvolvimento adotem estilos de vida hedonistas e anti-vida semelhantes aos que se tem, atualmente, na Bélgica.

Voltando à questão da teologia da libertação, porventura Bergoglio rejeita categoricamente tudo o que se relaciona com a teologia da libertação? No livro-entrevista “O Jesuíta”, Bergoglio afirma que a teologia da libertação tem seus “prós” e “contras”: o “pró” está ligado ao que é conhecido como a “opção preferencial pelos pobres”, o “contra” está relacionada com os “desvios ideológicos” subjacentes. Isto é muito similar às afirmações expressas em ambas “Instruções sobre a Teologia da Libertação” publicadas pela Congregação para a Doutrina da Fé em 1984 e 1986.

Juan Carlos Scanonne, SJ
E quem é o argentino jesuíta que nossos amigos do NYT têm em mente? Com toda a probabilidade (porque, na verdade, não há outro candidato), a referência é a Juan Carlos Scannone SJ, que ensinou a Bergoglio as disciplinas de grego e literatura quando estudava no seminário.

O problema com as informações fornecidas pelo NYT é que Scannone não é um teólogo da libertação. Na verdade, Scannone tem publicado vários trabalhos em que destaca a diferença entre a sua proposta e a da teologia da libertação. Em 2011, por exemplo, em uma entrevista, o próprio Scannone disse: “Eu nunca tive nada a ver com o marxismo”. Scannone especifica que a diferença básica entre o seu pensamento e os de teólogos da libertação é que, em suas próprias palavras, “nunca utilizei a metodologia marxista para analisar a realidade nem nenhuma categoria vinda do marxismo”.

Em vez disso, Scannone é mais conhecido na Argentina por ter desenvolvido o que tem sido chamado de Teologia do Povo [3] – algo que, segundo ele, é visto positivamente em Roma e que Bergoglio elogiou em numerosas ocasiões. É uma teologia que leva a sério o sentido da espiritualidade popular e a profunda piedade tradicional da pessoa comum – algo que é visto de modo aquiescente pelo teólogo alemão progressista médio, mas que também tem sido considerado por teólogos da libertação – como é o caso do pensamento do falecido Juan Luis Segundo – como um fenômeno de massas incapaz de impulsionar mudanças revolucionárias, tornando-se, portanto, em um obstáculo para o “progresso”.

Mas a teologia do povo, afirma Scannone, encontra forte inspiração na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi. Neste sentido, Scannone sustém, a teologia do povo representa “uma viagem de regresso da América Latina a Roma”. Deve-se notar que a Evangelii Nuntiandi rejeita categoricamente – uma e outra vez – a politizar os conceitos ligados à noção de libertação cristã, e também enfatiza que a Igreja “se recusa a substituir a proclamação do Reino de Deus pela proclamação de formas de libertação (meramente) humanas”.

Em termos práticos, a teologia do povo que se encontra viva e robusta na Argentina se traduz em estratégias de forte cunho local e com gestões de "baixo para cima" (bottom-up) para combater a pobreza. Também rejeita os chamados para a luta de classes e à revolução de estilo sandinista. E enquanto os partidários da teologia do povo na Argentina insistem sem dúvida sobre a necessidade da intervenção do governo, também rejeitam categoricamente o paternalismo verticalista (de cima para baixo) – algo sem dúvida reforçado pelas políticas populistas e estatistas promovida pelos Kirchner e que tem causado enormes estragos na economia da Argentina durante os últimos dez anos.

Porém para quem quer ter uma idéia melhor de qual direção o Papa Francisco deseja conduzir a Igreja Católica em assuntos sociais e econômicos, não é necessário perder tempo lendo obras como a de Leonardo Boff, “Igreja: Carisma e poder”. Em vez disso, convém consultar uma cópia do documento conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, em Aparecida, em 2007.

Além do Cardeal de Honduras, Oscar Rodriguez Maradiaga, o outro redator principal do texto foi o então Cardeal Jorge Mario Bergoglio. Este é o documento que Bergoglio (Papa Francisco) apresentou a Cristina Kirchner quando se encontraram (para descontentamento da Senhora Presidente) em Roma, onde teve que ir visitar a mesma pessoa a quem ela e seu falecido marido tinham sistematicamente ignorado, quando ele era arcebispo de Buenos Aires, e que está sentado agora na cadeira de Pedro.

Tenho algumas dúvidas de que Cristina tenha lido esse documento. Mas se ela o fez, ela – e os outros – não demoraram muito tempo para descobrir o quão pouco se diz ali sobre a teologia da libertação e o muito que se menciona a pessoa de Jesus Cristo.  

[1]
http://www.amazon.com/apuesta-America-Latina-Commitment-Spanish/dp/9500726564/ref=sr_1_1?s=books&ie=UTF8&qid=1367831905&sr=1-1&keywords=Carriquiry


[2] N do T.: O texto de apresentação da obra foi retirado de:
http://www.americalatina.va/content/americalatina/es/publicaciones/otras-publicaciones/una-apuesta-por-america-latina0.html

[3]

N. del T. A “Teología del pueblo” em um movimento de reflexão teológica que surgiu na Argentina ao final da década de ‘60. As figuras intelectuais de maior relevância foram os sacerdotes e professores universitários Lucio Gera (1924-2012) e Rafael Tello (1994-2002).
Tradução Tathiane Locatelli

E no final das contas, o Papa Francisco é "apenas" católico

2 comentários:

  1. Sem duvidas ... "apenas" Católico. Sejamos como ele.

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  2. Obrigado pelo texto. Ajudou-me a entender muitas atitudes do Papa Francisco. Valeu mesmo. :)

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