sexta-feira, 21 de setembro de 2012

TOLKIEN WEEK - Sobre algumas mudanças na Igreja



Dentro do especial TOLKIEN WEEK, vou trazer trechos de uma carta escrita do J.R.R. Tolkien para seu filho Michael Tolkien, em que expressa suas preocupações com as mudanças que estavam ocorrendo na Igreja. Vale a pena a leitura até o final

Destaquei alguns pontos (em negrito e/ou sublinhado), que acredito no possam levar a uma reflexão até mesmo sobre os dias atuais dentro da Igreja.

Esta carta é a de nº 306 do livro As Cartas de J.R.R. Tolkien, que foi publicado no Brasil pela Editora Arte & Letra, traduzido por Gabriel O. Brum (da Equipe Valinor) e pode ser adquirido neste LINK.

306. De uma carta para Michael Tolkien
[No topo, Tolkien escreveu: “Encontrada entre meus papéis espalhados. Não-enviada ou terminada por razões agora esquecidas. JRRT. 11/out/68”. Mas a carta por fim foi enviada para Michael Tolkien. Ela foi iniciada no 76 Sandfield Road (Tolkien observou) “em algum momento após 25 de ago. de 1967” e foi terminada no 19 Lakeside Road,a nova casa, cujo endereço postal era Poole, Dorset, mas que na verdade ficava em um subúrbio de Bournemouth.]

(...) “Tendências” na Igreja são .... sérias, especialmente àqueles acostumados a encontrar consolo e “pax” em épocas de problemas temporais, e não apenas outra arena de conflitos e mudanças. Mas imagine a experiência daqueles nascidos (como eu) entre o Jubileu Dourado e o de Diamante de Vitória. Os sentimentos ou idéias de segurança foram progressivamente tirados de nós. Encontramo-nos agora confrontando nus a vontade de Deus, no que nos diz respeito e à nossa posição no Tempo (Vide Gandalf I 70 e III 155 [3]). “De volta ao normal” - apuros políticos e cristãos -, tal como um professor católico certa vez me disse, quando lamentei o colapso de todo o meu mundo que se iniciou logo após eu completar 21. Bem sei que, para você como para mim, a Igreja, que antigamente parecia um refúgio, agora com freqüência parece uma armadilha. Não há nenhum outro lugar para se ir! (Me pergunto se esse sentimento desesperado, o último estágio da lealdade que persiste, não foi, com ainda mais freqüência do que de fato é registrado nos Evangelhos, sentido pelos seguidores de Nosso Senhor no período de Sua vida terrena.) Creio que não há nada a se fazer senão rezar, pela Igreja, o Vigário de Cristo, e por nós mesmos; e, enquanto isso, exercer a virtude da lealdade, que realmente só se torna uma virtude quandos e está sob pressão para abandoná-la. Há, é claro, vários elementos na atual situação que são confusos, embora na realidade distintos (como de fato no comportamento da juventude moderna, parte da qual é inspirada por motivos admiráveis tais como antiarregimentaçãoe antimonotonia, uma espécie de saudade romântica dos “cavaleiros”,e que não está necessariamente aliada às drogas ou aos cultos de inércia e imundície). A busca “protestante” em direção ao passado pela “simplicidade” e retidão - a qual, é claro, apesar de conter alguns motivos bons ou pelo menos inteligíveis, é equivocada e de fato vã. Porque o “cristianismo primitivo” é agora e, apesar de toda “pesquisa”, sempre permanecerá amplamente desconhecido; pois “primitivismo” não é garantia de valor e é, e foi, em grande parte um reflexo da ignorância. Graves abusos eram um elemento do comportamento “litúrgico” cristão desde o início tanto quanto o são agora. (As críticas severas de S. Paulo sobre o comportamento eucarístico são suficientes para mostrar isso!) Ainda mais porque a “minha igreja” não foi pretendida por Nosso Senhor para ser estática ou permanecer em perpétua infância, mas para ser um organismo vivo (semelhante a uma planta), que se desenvolve e muda o exterior pela interação de sua vida e história divinas legadas - as circunstâncias especiais do mundo no qual se encontra. Não há semelhança entre o “grão de mostarda” e a árvore adulta. Para aqueles que vivem nos dias do crescimento de seus galhos, a Árvore é a coisa, pois a história de uma coisa viva é parte de sua vida, e a história de uma coisa divina é sagrada. O sábio pode saber que ela começou com uma semente, mas é inútil tentar desenterrá-la, pois ela não mais existe, e a virtude e os poderes que a semente possuía residem agora na Árvore. Muito bom: mas no cultivo as autoridades, os guardiões da Árvore, devem cuidar dela, de acordo com a sabedoria que possuírem, podá-la, remover feridas, livrá-la de parasitas, e assim por diante. (Com temor, sabendo o quão pequeno é seu conhecimento do crescimento!) Mas eles certamente irão danificá-la caso sejam obcecados com o desejo de retornar à semente ou mesmo à juventude da planta quando esta era (como imaginam) bela e não era afligida por males. O outro motivo (agora tão confundido com o primitivista, mesmo na mente de qualquer um dos reformadores) - aggiornamento: atualizar; este possui seus próprios perigos graves, como tem sido aparente no decorrer da história. Com este também se confundiu o “ecumenismo”.

Vejo-me simpático àqueles desenvolvimentos que são estritamente “ecumênicos”, isto é, que dizem respeito a outros grupos ou igrejas que chamam a si próprios de (e com freqüência o são verdadeiramente) “cristãos”. Temos orado incessantemente pela reunião cristã, mas é difícil ver, caso se reflita, como isso possivelmente poderia começar a acontecer, exceto como o tem sido, com todos os seus inevitáveis absurdos menores. Um aumento na “caridade” é um ganho enorme. Como cristãos, aqueles fiéis ao Vigário de Cristo devem pôr de lado os ressentimentos que sentem como simples humanos - ex: com a “petulância” de nossos novos amigos (esp. a I[greja] da I[nglaterra]). Agora freqüentemente se recebe tapinhas nas costas como um representante de uma igreja que viu o erro de seus hábitos, abandonou sua arrogância e presunção e seu separatismo; mas ainda não conheci um “protestante” que mostre ou expresse qualquer realização das razões neste país para nossas atitudes, antigas e modernas: da tortura e expropriação até “Robinson” [4] e tudo aquilo. Já foi mencionado alguma vez que os c[atólicos] r[omanos] ainda sofrem de deficiências sequer aplicáveis aos judeus? Como um homem cuja infância foi obscurecida pela perseguição, considero isso difícil. Mas a caridade deve abranger uma grande quantidade de pecados! Há perigos (é claro), mas um militante da Igreja não pode permitir-se trancar todos os soldados desta em uma fortaleza. Isso teve efeitos similarmente ruins na Linha Maginot. (...)

[3] - "- Você foi escolhido, e portanto deve usar toda força, coração e esperteza que tiver." "- Não é nossa função controlar todas as marés do mundo, mas sim fazer o que pudermos para socorrer os tempos em que estamos inseridos."
[4] - Bispo J. A. T. Robinson, autor de Honest to God ["Honesto com Deus"] (1963).

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